terça-feira, 1 de abril de 2008

Trois couleurs: Bleu (1993), Krzystof Kieslowski

Ao ver Julie assistir ao enterro do marido, Patrice, e da filha de cinco anos, Ana, presenciamos, assim como ela, ao reinado da imagem. Julie não só dá o último adeus ao marido e à filha por uma tela, como também sabe através de um programa de televisão que Patrice tinha uma amante. A civilização do império da imagem também é evidenciada quando Julie vai visitar a sua mãe, que se encontra num asilo, louca, e tem como único diversão passar o dia vendo televisão. "Eu posso ver o mundo daqui", diz ela, enquanto assistia a um velhinho saltar de buggee jump.

A mãe de Julie poderia buscar a liberdade vendo televisão, que lhe proporcionava ir para além dos muros de um asilo. A mesma liberdade evocada quando Julie salta na piscina repleta de azul por diversas vezes no filme. Todo o filme é impregnado pelos tons azuis em sua fotografia. Desde o lustre de pedras azuis, a única coisa que Julie quer levar da casa consigo, e não sabemos o porquê, até a embalagem do pirulito que sua filha comia durante o acidente. O azul também é um retorno à infância, a um recomeço, posto que a prostituta Lucille, que se torna amiga de Julie após ela se recusar a assinar um abaixo-assinado feito pelos moradores para tirá-la do prédio, conta que tinha um lustre de pedras azuis na infância, que ela tentava, inutilmente, alcançar.

Os primeiros planos cristalizam uma visão embaçada, disforme do mundo pelos olhos de Julie sobre a xícara de café, sobre partituras, sobre o lustre. O filme apresenta um contraste entre um silêncio angustiante e a música, que lembra o compositor, falecido marido dela. Julie quer livrar-se de uma vez por todas de seu passado e, ao passar os dedos sobre a composição do marido, a música toca.... até ser estraçalhada quando ela joga o papel com as partituras num caminhão de lixo. O silêncio e a música, todos lembram a angústia da ausência.

A liberdade que Julie busca ao queimar suas lembranças é uma liberdade triste, azul. O que a faz retornar ao seu passado é a amante do falecido marido, que agora esperava um filho dele - o que o fazia eterno, assim como a música que a Europa esperava ouvir em doze países por doze orquestras, e ele não tinha tido tempo de finalizar.