domingo, 30 de março de 2008

Matou a família e foi ao cinema (1969), Júlio Bressane

Matou a família e foi ao cinema (1969), de Júlio Bressane, não parece ter sido feito para ser um filme "bom": ele foi pensado para seguir a estética do lixo, proposta por Bressane e seu cologa Rogério Sganzerla, que ergueram a bandeira do cinema marginal. O filme é por si só um manifesto contra a ditadura militar e pelo cinema brasileiro, só que sem panfletos.

A última sequência seria a de um filme brasileiro que teria tudo a ver com o que vemos na tela: Márcia diz à Regina que viu um filme nacional sobre duas amigas de infância que, após passar um período juntas numa casa, matam uma a outra. Regina faz cara feia ao perguntar se o filme era brasileiro. Vemos que estamos no filme falando sobre o filme.

Os recursos de câmera utilizados por Bressane são para provocar, mais do que o distanciamento, o estranhamento propriamente dito no espectador. São travellings sobre cadáveres, movimentos de extracampo que nos colocam para fora da cena, ou do que se convencionou chamar de cena.

Matou a família e foi ao cinema não tem a pretensão de nos contar uma história: os dramas de seus personagens não se desdobram, e há até quem nos surja do nada, para ir embora do nada também. Esse foi o caso do preso político que é torturado até a morte: ele nada tem a ver com os outros personagens, e nós não sabemos quem ele é e nem porque está ali. A tortura é mostrada a seco: a câmera não assume primeiros planos ou coloca uma trilha sonora para dramatizar. A representação da tortura acontece sob o ponto de vista fixo da câmera e sem canções para dizer que não falei das flores.

A trilha sonora é um capítulo em particular do filme. As músicas mais inesperadas surgem nos momentos menos oportunos. Um sambinha embala a comemoração de um alcóolatra que acabara de matar o filho recém-nascido e a esposa que reclamava da falta dinheiro, e dizia que já tinha arranjado quem a sustentasse. A música no filme tem um tom de humor negro, ela zomba dos corpos falecidos no chão, como acontece na última cena.

Matou a família e foi ao cinema destrói, de fato, o que se convencionou chamar de família com um homem, que numa referência Un chien Andalou, de Buñuel, brinca com um canivete passando próximo ao olho, como o olho da mulher em Buñuel, para depois matar seus pais e ir ver Perdidos de Amor no cinema. O filme soa ousado, não só pela sua forma, como por falar jocosamente do próprio cinema brasileiro e ainda apresentar cenas de tortura em plena ditadura militar.

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