quarta-feira, 21 de maio de 2008

The man who shot Liberty Valance (1962), John Ford

Desde a primeira cena, quando um enorme trem invade a pequena Shinbone com o barulho de suas rodas correndo sobre os trilhos, e sua imensidão que parece tomar conta da tela, O homem que matou o facínora poderia servir como uma alegoria do desenvolvimento da modernidade. O senador Stoddard chega à cidade do interior a oeste dos Estados Unidos armado com seus ideais de lei e ordem num lugar onde a única lei é a de quem é mais rápido no gatilho, e lembra que na primeira vez que veio à Shinbone o meio de transporte utilizado por ele foi uma simples diligência.

Entre a última vinda num trem e a primeira chegada numa diligência muitas coisas aconteceram para Stoddard, e John Ford narra os fatos em flashback depois de o personagem ver um ícone do seu passado, a antiga diligência coberta de poeira e devorada pelo tempo, e após presenciar o enterro de um antigo amigo de Stoddard.

Stoddard era um simples advogado quando chegou à Shinbone, e depois de sofrer um assalto realizado pelo facínora Liberty Valance, para depois se hospedar numa casa onde pagava a comida lavando os pratos, ele se empenha numa luta pela edificação do que seria o paradigma de estado moderno democrático.

Ao contrário de Stoddard, Tom Deniphone está plenamente inserido nos ditames do velho oeste: ele tem a sua boa e velha arma para se defender do bando liderado pelo Liberty Valance. A luta de Stoddard por estabalecer leis que protejam os cidadãos e por educá-los para saber como cobrar esses direitos vem para revolucionar a pequena cidade - e incomodar bastante o facínora.

Se Stoddard representa o Estado moderno democrático, o jornalista Peggyboad, motivo de escárnio na cidade devido ao seu alccolismo, simboliza a imprensa, que vem para suprir a necessidade das democracias modernas, alimentadas pela difusão das informações aos cidadãos. Uma passagem bem emblemática disso é aquela em que, enquano Stoddard fala aos habitantes da cidade sobre seus ideais democráticos, Peggyboad faz suas anotações para serem publicadas no jornal Shinbone Star. De um lado, o estado, do outro a imprensa que seria uma forma de mediação entre o Estado e a sociedade civil.

Peggyboad é um jornalista bem caricato, servindo muito bem como representação da imprensa. Tanto que ele esbraveja que pode construir ou destruir um homem poderoso, e que é o protetor do povo. A democracia representativa, com seu sistema que coloca de um lado os políticos profissionais, e do outro os cidadãos que restringem a participação política ao voto, encontra voz e expressão nas palavras de Stoddard, que, numa autêntica defesa da mitologia democrática afirma que a república é um sistema em que o povo toma os rumos da vida política, pois escolhe seus governantes e pode optar por recusá-los mais tarde.

Entretanto, Stoddard vai mostrar suas grandes contradições quando, diante de um fato inusitado, decide seguir a lei do Oeste fazendo justiça com as próprias mãos. Esse ato será o motivo de uma crise de valores, quando ele se vê entre essas duas concepções. Mesmo depois de construir carreira na política institucional e dedicar a vida aos valores democráticos, Stoddard sempre regride à paixão pelo velho Oeste, que se revela no filme de Ford numa resistência ao progresso da modernidade. Stoddard, em toda sua contradição entre paladino da lei e da ordem e herói armado do Oeste, como o espectador poderá ver, havia se tornado uma mescla das duas figuras e, no fim de tudo, uma grande mentira.

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